A constituição de uma pessoa jurídica faz com que nasça uma personalidade própria, que se distingue dos sócios e administradores.
Isso significa que o patrimônio da empresa, após a integralização pelos sócios, cada um na sua quota parte, somente poderá ser atingido ou acionado judicialmente por dívidas da pessoa jurídica.
Claro que a depender do tipo societário escolhido no contrato social, a responsabilidade dos sócios por dívidas da empresa pode ser ilimitada, mas a regra geral é de que a empresa não responde por dívidas dos sócios e vice-versa.
Todavia, esta regra pode ser quebrada quando for concedida a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, você sabia?
Exatamente, os sócios podem ser responsabilizados por dívidas da empresa, sendo quebrada a blindagem patrimonial decorrente da personalidade jurídica própria.
Para você entender melhor, elaboramos um conteúdo completo sobre o tema, confira.
Personalidade jurídica é a capacidade de aquisição de direitos e obrigações.
Uma pessoa física somente pode realizar os atos da vida civil se tiver capacidade para tanto. Esta capacidade civil é garantida às pessoas maiores de 18 anos que não possuam alguma enfermidade ou outra característica que a torne incapaz.
Da mesma forma, as pessoas jurídicas também possuem personalidade que as possibilitam exigir direitos e cumprir/assumir deveres.
Por ser uma personalidade própria, não se confunde com os sócios e administradores, respondendo por si só pelos deveres, portanto.
Conforme exposto no início do artigo, os sócios e administradores, via de regra, não respondem com patrimônio particular pelas dívidas da empresa, já que esta possui personalidade própria.
Da mesma forma, a pessoa jurídica não responde pelas dívidas particulares dos sócios ou administradores, em regra.
Dizemos que é a regra geral porque depende do tipo societário de cada empresa, tendo em vista que existem modalidades de responsabilidade ilimitada dos sócios, mas é menos frequente.
Pois bem, apesar disso, é possível que os sócios e administradores venham a ser responsabilizados pelas dívidas da empresa que fazem parte por meio da desconsideração da personalidade jurídica.
Existem dois tipos: a desconsideração da personalidade jurídica comum e a inversa ou invertida.
Quando falamos em desconsideração da personalidade jurídica comum, ela se dá quando a personalidade jurídica é momentaneamente afastada, por conta de uma decisão judicial e, com isso, os sócios e seu patrimônio passam a ser responsáveis pelas obrigações da pessoa jurídica.
É necessário esclarecer, ainda, a existência de duas Teorias da Desconsideração da Personalidade Jurídica, quais sejam: Teoria Maior e Teoria Menor, mais conhecidas juridicamente.
A Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica exige a comprovação de um de dois requisitos para que seja concedida a despersonalização da pessoa jurídica: 1) confusão patrimonial ou 2) desvio de finalidade.
É utilizada para negócios jurídicos que são regidos pelas normas do Código Civil Brasileiro. Significa que a Teoria Maior é mais complexa e não tão simples de ser aplicada.
A confusão patrimonial pode ser invocada quando a pessoa jurídica, em tese, não possui faturamento positivo ou bens, mas o sócio possui e utiliza-o para fins específicos em favor da pessoa jurídica de forma manifestamente fraudulenta. Ou seja, há confusão de patrimônio entre pessoa jurídica e física propositalmente.
Já o desvio de finalidade pode ser alegado quando a pessoa jurídica é constituída para fins diversos da atividade empresarial consolidada em contrato social, cujo objetivo é enganar terceiros.
A ocultação de patrimônio é uma das formas de acarretar a desconsideração de personalidade jurídica de uma empresa, por exemplo, quando comprovada a utilização fraudulenta da pessoa jurídica para obter vantagens financeiras de forma indevida, adquirindo dívidas que não podem ser pagas por conta de ausência de patrimônio da empresa devedora.
Por outro lado, a Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica é regida pelas leis especiais, como o Código de Defesa do Consumidor, Lei Anticorrupção e outras que forem aplicáveis. Os requisitos são mínimos, de modo que a despersonalização ocorre com menos complexidade, principalmente nos processos consumeristas, tributários e trabalhistas.
Basta comprovar, por meio desta teoria, que há um inadimplemento pela empresa e que a personalidade jurídica é um obstáculo para a satisfação do crédito.
Já a desconsideração da personalidade jurídica inversa ou invertida, é aquela que, quando concedida, responsabiliza o patrimônio da pessoa jurídica pelas dívidas particulares do sócio, quando este não tem bens suficientes para satisfazê-las.
Nesta hipótese, também deve estar presente um dos requisitos supracitados, pois a ausência de bens de forma isolada não tem condão de permitir a desconsideração da personalidade jurídica.
Algumas leis regulamentam o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, são elas:
O Código de Processo Civil (CPC) é a lei que regulamenta todas as questões relativas aos processos judiciais.
Antes, a desconsideração da personalidade jurídica não era regulamentada processualmente, bastando a realização do pedido com anexo de provas suficientes em um processo.
Com o advento do Novo Código de Processo Civil em 2015, a desconsideração da personalidade jurídica passou a ter um procedimento próprio, que deve ser instaurado em apartado aos autos do processo principal que discute a dívida.
Pois bem, o procedimento processual visa garantir o contraditório e a ampla defesa da parte requerida no incidente que se pede a desconsideração.
O pedido deve ser feito por um incidente, representado por um advogado de sua confiança, sendo em separado aos autos do processo principal, salvo se o pedido estiver na própria petição inicial do processo original.
Os sócios ou administradores serão notificados para apresentarem manifestação e o processo seguirá.
Segundo o art. 137, do CPC: “Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente”.
O devido processo legal deve ocorrer nos termos da lei, sob pena de serem alegadas nulidades posteriores que invalidam a desconsideração da personalidade ora concedida.
Desconsiderar uma personalidade jurídica nada mais é do que responsabilizar os sócios ou administradores representantes da empresa, haja vista que a capacidade oriunda da personalidade própria se torna suspensa momentaneamente para alcançar o patrimônio das pessoas físicas por trás da empresa, não podendo assumir deveres e exigir direitos.
Da mesma forma, a desconsideração inversa responsabiliza o patrimônio da empresa do sócio devedor pelas dívidas particulares dele. Ou seja, deixa de haver a blindagem patrimonial, pois é deixada de lado momentaneamente a personalidade própria.
Em geral, o que leva a desconsideração da personalidade jurídica é a existência de uma ou mais dívidas que não foram pagas e não podem ser satisfeitas por ausência de patrimônio do devedor.
Assim, a depender da teoria utilizada no caso concreto, os motivos que levam à desconsideração se diferem.
Na Teoria Maior, vale lembrar que a ausência de bens não é o único motivo que enseja a desconsideração, tendo em vista que um dos requisitos devem ser comprovados: desvio de finalidade ou confusão patrimonial.
De forma simplificada, deve ser demonstrada a fraude.
Por sua vez, na Teoria Menor, basta que seja comprovado o inadimplemento e que a personalidade jurídica da pessoa jurídica é um empecilho para a satisfação do crédito. Por envolver, por exemplo, as relações de consumo, traz facilidade para a desconsideração, a fim de proteger os consumidores considerados vulneráveis nas relações jurídicas.
A desconsideração da personalidade jurídica ocorre apenas judicialmente, por meio de uma decisão proferida por um juiz.
Nos termos já expostos, algumas leis regulamentam o procedimento da desconsideração da personalidade jurídica.
Quanto aos requisitos para a desconsideração, deve-se atentar se é cabível o código civil ou o código de defesa do consumidor.
Ambos normatizam a desconsideração da personalidade jurídica, mas preveem regras distintas para relações jurídicas que são previstas no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, que correspondem à Teoria Maior e a Teoria Menor, respectivamente, conforme falamos no início deste post.
Pois bem, o Código Civil dispõe em seu art. 50, caput, que:
“Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”.
A própria lei esclarece nos parágrafos segundo e terceiro, do mesmo artigo supra, o conceito de desvio de finalidade e confusão patrimonial como:
Já o Código de Defesa do Consumidor, possui requisitos mais flexíveis. Nesse sentido, o art. 28, dispõe que:
“O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”.
Ou seja, quando a pessoa jurídica age de forma manifestamente prejudicial lesando os consumidores, pode ser considerado abuso de direito e, consequentemente, pode ser desconsiderada a personalidade jurídica com respaldo no CDC.
Para saber qual a lei aplicável deve-se distinguir a existência de uma relação de consumo com uma que não é de consumo.
Um advogado especialista pode auxiliar nesta distinção e no exercício dos seus direitos.
Quando uma personalidade jurídica é desconsiderada, os sócios ou administradores passam a responder com o patrimônio próprio pelas dívidas da empresa, haja vista que momentaneamente será afastada a personalidade da empresa a fim de alcançar o patrimônio dos sócios.
E, na hipótese de terem sido alienados bens da pessoa jurídica ou do próprio sócio, após a desconsideração da personalidade, tornam-se ineficazes os negócios jurídicos celebrados mediante fraude.
Os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica são primordialmente responsabilizar quem está por trás das obrigações não cumpridas em nome da pessoa jurídica ou, quando desconsideração inversa, da pessoa física que é sócia de uma empresa.
Também visa barrar fraudes realizadas por meio de uma pessoa jurídica. Fenômeno também conhecido como “pejotização do patrimônio pessoal da pessoa física”, já que muitas vezes uma empresa é criada justamente para fins ilícitos em prol de interesses da pessoa física.
A pessoa interessada pelo cumprimento da obrigação é legítima para requerer a personalidade jurídica da empresa, bem como o Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
Quem se beneficia da desconsideração da personalidade jurídica é o credor que possui um direito não cumprido pelo devedor, decorrente de um negócio jurídico celebrado.
Se houver a desconsideração da personalidade jurídica, quem responde pelos passivos trabalhistas são os sócios ou administradores da empresa.
Importante ressaltar que ex-sócios também respondem pelo passivo trabalhista do período que permaneceram vinculados à empresa, pelo prazo de 2 anos após o registro da saída da sociedade.
No entanto, como o CDC, quando reconhecida a Teoria Menor, é amplo na regulamentação da desconsideração da personalidade jurídica, diretores, gestores, co-participantes, também podem ser acionados e responsabilizados.
Basicamente, quem está por trás da pessoa jurídica pode ser responsabilizado.
Um exemplo prático de desconsideração da personalidade jurídica com respaldo no CDC é quando a empresa, mediante propaganda enganosa, obtém vantagens financeiras de forma ilícita.
Assim decidiu a 38ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, que manteve a condenação pelo magistrado de primeiro grau de uma escola de informática e idiomas, em R$50 mil reais, para compensar os danos causados, tendo em vista que a instituição de ensino garantia emprego aos alunos após o término de curso, sendo reconhecida a fraude mediante propaganda enganosa e obtenção de vantagens ilícitas financeiras. (Processo nº 1004492-67.2019.8.26.0320).
A ocultação de patrimônio de uma pessoa jurídica também pode ser reconhecida como fraude contra credores, ensejando a desconsideração da personalidade.
Nesse sentido, foi proferida decisão pelo magistrado da Vara do Trabalho de Arujá, que reconheceu a fraude de uma empresa familiar, que passou todo o patrimônio para duas holdings da família, mas o sócio mantinha todo o controle da pessoa jurídica e dos bens transferidos. Por tal razão, possuía capacidade de vender ou onerar bens da pessoa jurídica, garantindo vantagens ilícitas e fraudando credores. (Processo piloto nº 1001361-57.2014.5.02.0521).
Ante todo o exposto, é importante ter clareza sobre as consequências e efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, pois é um instituto que tem sido bastante acionado judicialmente a fim de constatar fraudes.
Ainda tem dúvida sobre o assunto? Deixe seu comentário, será um prazer lhe orientar.
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